O que mudou no Marcelo Peixoto da década de 80 pra cá?
Cara, acho que a idade ensina algumas coisas pra gente. Quando a gente é moleque, acredita numas coisas e acha que aquilo é a verdade e só aquilo que é a verdade absoluta. Tem muitas verdades no mundo, o mundo não é feito só das nossas verdades. Acho que mudou isso, eu aprendi que são vários caminhos que levam pro mesmo fim. A gente pode fazer várias coisas e ainda continuar se divertindo… Quando eu era moleque, só queria saber de skate e hardcore, eu achava que a vida era isso. Aprendi que a vida tem diversões em outros lugares também, que você não precisa anular uma coisa pra fazer outra. Eu tenho quatro filhos também, a minha vida agora gira principalmente em torno dos meus filhos.
Sim, mas essa sua essência conturbada… isso não vai mudar nunca não, né?!
Ah, isso não vai mudar mesmo. Eu sou um cara impaciente pra caramba, e gosto de correr atrás das coisas que eu acredito. Quando eu fiz o (cd “À Procura da”) Batida Perfeita, todo mundo sempre achava que a batida era o principal, e eu sempre achei que a procura era muito mais interessante do que achar a batida em si.
Sei como é, igual àquele lance de que “o caminho é mais interessante que o destino em si”…
Exatamente! O caminho é sempre mais interessante que o destino.
Voltando ao passado geral agora, eu queria saber no quê todo o cenário da Zona Norte influenciou no artista e no homem que você viria a se tornar.
Olha, eu não posso falar de outro lugar porque eu nasci ali e gosto muito daquilo ali, tenho aquilo ali no sangue pra caramba e tenho um orgulho danado disso…
Pois é, tanto que você tem o Zona Norte tatuado na pele.
Tenho o ZN na pele tatuado, pra sempre. A coisa de estar ali no subúrbio, e estar envolvido com skate e hardcore, é muito engraçada porque naquela época era muito longe do que se podia imaginar hoje em dia. Hoje todo mundo usa bermudão de skatista, calça larga, tem tatuagem, cabelo moicano.. Isso na Zona Sul era até um pouco aceitável, o pessoal fingia que não prestava atenção mas olhava do mesmo jeito (risos). Mas no subúrbio não, isso era uma coisa inacreditável! (risos) Mas ao mesmo temo, eu aprendi muito por lá e levo pro resto de minha vida, que é a noção de respeito ao próximo, essa coisa do suburbano de gostar de bater papo, a solidariedade, isso pra mim foi importante pra caramba. E olhando pra trás hoje em dia, é o que vale a pena. O subúrbio me trouxe o samba, cara! Lembra daquela época em que todo mundo que andava de skate ouvia Dead Kennedys, Suicidal e essas coisas?! Eu ouvia samba em casa, porque não tinha jeito: na minha casa só tocava samba; na casa do vizinho só tocava samba… aí não teve jeito, comecei a ouvir também e nunca parei.
Eu também sempre ouvi black music. Mesmo na época em que fui punk, nunca deixei de ouvir. Ouvia escondido, mas ouvia (risos).
Esse espírito suburbano sempre foi muito importante pra mim. Eu tenho uma letra que até diz assim: “embaixo dos panos / trago o orgulho suburbano”. Esse orgulho de ser suburbano foi importante pra caramba pra mim, porque depois no meu trabalho como artista e MC, me trouxe uma coisa fundamental: eu posso ir a qualquer lugar do mundo, mas aonde você me olhar, eu sou Zona Norte (risos). E isso é algo que eu tento transparecer na música, que não adianta você fugir de quem você é, não adianta você não gostar. Aquilo ali é muito bom. Eu trago amigos daquela época que, na verdade, viraram meus irmãos: o Thaíde (skatista e designer carioca), o Garb mesmo – que naquela época era um molequinho -, o Róbson… Nessa época, eu lembro que a gente andava de skate no Norte Shopping e aquilo ali era a nossa casa, a gente vivia aquele lugar, domingo era a nossa parada, era demais! Se tem uma coisa boa de minha adolescência, foi isso daí.
Quem eram os skatistas que você admirava naquela época, aqueles que você achava o máximo?
De gringo, era o Mark Gonzáles; tinha até o Natas e outros caras, mas o Gonzales era o meu ídolo total. De brasileiros, tinha aquela famosa equipe da Lifestyle, com Rui Muleque, Beto Or Die, Fernandinho Batman, o Thronn (que depois virou um amigaço meu), tinha também o Not Dead, que eu admirava também… Mas o meu maior ídolo mesmo no skate era o Mureta, cara. Aquele era o cara que eu falara, “caraca!”. Eu nem andava de vert, mas era o cara que eu achava que tinha a maior atitude, do tipo que tinha acabado de correr a Copa Itaú e depois saía pra tomar cerveja com a galera. Mureta era maneiro pra caramba, ele era O cara pra mim.
Ele continua sendo o cara até hoje, vai andar bem pra cacete e zoar o barraco pra sempre. Agora vem cá, e você?! Você ainda anda de skate?! Sei que você de vez em quando bate uma bola, e que ultimamente vem até jogando tênis… Largou o carrinho de vez ou assumiu o seu lado tiozinho e montou um long, como todos nós fazemos depois que viramos matuzas?! (risos)
Olha, não dá mais pra fazer um street, o joelho não aguenta mais, o tornozelo então… as juntas estão foda! Eu continuo muito ligado ao skate, tenho vários amigos que são pros, como os irmãos Ramos, o Allan Mesquita, o próprio Mureta – a galera que tá morando em Floripa agora -, o Alessandro Ramos, que é do Rio e tá morando em São Paulo, meu camarada… Tenho vários amigos pros e que andam de skate. Sou aquele cara que acompanha as revistas de skate, que tá sempre vendo os vídeos novos – quando sai um vídeo novo, eu tô pegando -, isso eu tô sempre tentando acompanhar. O skate montou o meu lifestyle, e tem uma coisa que é um pouco inexplicável no skate… Quer dizer, eu posso até tentar explicar mas não sei se vou chegar lá… É aquela coisa de você estar na rua de skate e saber lidar com todo mundo: seguranças, os tiozinhos, os malucões drogadões da madrugada… Voltando à outra pergunta, juntou isso com o lance de ser suburbano e aí me atraiu muito. O skate ter um mundo muito próprio, de vanguarda pra caramba e estar sempre andando na frente, e de saber lidar com todo mundo… Mas hoje em dia, não dá mais pra mim – ainda mais quando eu vejo o Gugu Ramos dando ollie acima da cabeça, aí não dá mais pra mim.
Pô, mas nem um skatezinho sequer?! (risos)
Não, pera aí, eu tenho um skate montado (risos) e todos os meus filhos têm os seus skates. Pelo menos isso, quando os skates estão meio caidinhos eu já pego e monto um novo pra eles e tal… Eu mesmo tenho o meu Dogtownzinho pequenininho mesmo, comprei lá em Venice. Eu vi um camarada meu, o Marcos Bocayuva, que me mostrou o Dogtown que ele tinha e eu fiquei babando, aí quando eu fui pra California eu comprei um pra mim. De vez em quando eu boto no chão pra dar uma pedalada. A sensação do vento na cara pra mim é foda, é demais. Eu lembro da primeira vez que eu subi num skate, foi sensacional, e depois que eu fiquei em pé mesmo em cima, pensei que era isso mesmo que eu queria.
Voltando às origens: eu conheci o Luís Skunk no início dos anos 80, quando a gente frequentava os mesmos picos do primeiro cenário de punk rock no Rio. Ele morava a um quarteirão da minha casa, e nós talvez fôssemos os únicos punks da ZS carioca. Naquele época, ele sempre foi diferente e já gostava de provocar os outros – usando bottons de Duran Duran ou Culture Club só pra zoar, por exemplo… Como vocês se conheceram?
O meu encontro com o Skunk foi inacreditável, tanto que a gente tá fazendo um filme sobre isso, exatamente sobre esse encontro entre dois moleques. Eu na época andava de skate e trabalhava de camelô no Largo do Machado, eu tava indo almoçar em casa e o Skunk tava indo pra casa dele ali no Flamengo. Aí, eu tava com uma camisa do Dead Kennedys e ele tava com uma camisa de uma banda ridícula, nem me lembro qual, um Duran Duran ou Culture Club, e feita à mão ainda… Ele falou assim, “tu gosta de Dead Kennedys?!”, eu respondi que amava os caras, e ele emendou logo “tu gosta porra nenhuma!” (risos)… Eu já mandei logo praquele lugar, tipo VTNC, e aí a gente parou ali e ficou conversando sobre música e tal, eu vi que o cara entendia pra caramba de música e sabia tudo, falava de tudo, de jazz, de samba, de rock, de hardcore, de música pop… Foi demais, a gente ficou amigo ali mesmo, naquela hora. Ele falou que conhecia uma galera na 13 de Maio (local de grande concentração de camelôs no centro do Rio) e ele me levou lá, e foi então aí que eu comecei mais a andar com a galera do rock. Até aí, eu era mais o skatista mesmo e nunca tinha me envolvido com a galera de música, de movimentos musicais.
Você nem pensava em ser músico, então?!
Nunca tinha pensado em ser músico na minha vida, cara, nunca mesmo! Aí a gente começou a andar junto pra caramba, e um dia ele me mostrou uma letra em inglês e eu mostrei uma poesia pra ele, eu já escrevia poesia desde moleque, gostava de fazer fanzine, essas coisas… Eu mostrei o meu caderno de anotações pra ele, que disse que tinha coisa ali que era legal e tal, aí ele falou que a gente podia fazer uma banda. Eu falei pra ele, “pô, eu não toco nada” e ele falou que também não tocava nada, então decidimos fazer um lance de rap, pra gente cantar rap em cima de bases de rock. No Planet isso era bem legal, de pegar bandas de rock indie contemporâneas do tipo Smashing Pumpkins, Swervedriver, Sonic Youth e ir sampleando os caras e fazendo um rap em cima. A gente começou a fazer a banda daí. É inacreditável, o cara pra mim foi um anjo na minha vida porque se eu hoje tô aqui, falando com você, se hoje eu sou o Marcelo D2 é por causa dele, que entrou na minha vida por 2 anos pra me botar nesse caminho. Ele foi o meu melhor amigo de minha vida por 2 anos, e de repente… bum!, morreu. Eu já devia ter encontrado com ele várias vezes antes, porque eu já te conhecia e você conhecia ele também, e a gente se encontrava e eu nunca tinha percebido o cara, nunca tinha falado com o cara. Mas no dia em que a gente tava na rua e bateu de frente, aí foi pimba! Ele passou o sonho dele pra mim, porque eu mesmo não tinha esse sonho. Foi como se ele tivesse dito: “toma a banda aí e a gente se encontra daqui a pouco lá em cima”.
Você acha que está mais difícil pra um roqueiro ou rapper de divulgar o seu trabalho hoje em dia, a internet compensa a falta de uma emissora local ou nada substitui o rádio enquanto mídia?!
O que importa é até aonde você quer chegar também; se o cara quer ser um mainstream, hoje em dia tá mais fácil. Você tem a internet que atinge o mundo inteiro, toda hora você vê uma banda surgindo no meio e tendo divulgação em todo o mundo.
E no meio do skate também era isso, se você tinha um Vans nos pés, você era um skatista.
Antigamente tinha esse lance de irmandade mesmo, e eu tenho uma história muito boa – o Gyrão nem deve se lembrar disso. Eu fui pra Guará no ano que o Alva veio, em 1986, eu servia ao Exército e saí do quartel muito bolado, puto mesmo, porque eu vi no Realce que os caras vinham aqui e aí falei, “tô indo pra Guará”. Aí no ônibus eu encontrei o Come, que eu já meio que conhecia da Zona Norte e tal, e quando eu cheguei lá fui tratado como irmão, pensava assim: “essa é a minha galera”. E olha que eu nunca fui um skatista fodão, nunca fui de chamar a atenção pelo skate, e todo mundo me recebeu muito bem. Eu fui dormir no quarto do Gyrão, que tava lá com a namorada e com uma galera do Sul também. Tinha uns 3 ou 4 extras no quarto, e os caras falaram pra mim: “aí, carioca, cai aí se tu não tem lugar pra dormir”… Pô, pra quem ia dormir na praça, ter sido recebido dessa maneira… A galera do skate daquela época era muito boa, a irmandade que tinha era sensacional e eu acho que ainda tem um pouco disso hoje em dia também.
Você ainda mantém contato com alguém da banda?!
Muito pouco, cara. O Formigão, o Pedrinho e o Gustavo são os que eu mais encontro. O Rafael e o Bernardo (BNegão) já tem muito tempo que eu não vejo. O Bacalhau tá junto com o Gabriel, outro contemporâneo meu, tocando no Autoramas, que é uma banda irada… E tem o Zé, (DJ Zegon) nós tocamos muitos anos juntos.
Aliás, tem uma coisa que eu nunca entendi: o fim do Planet. Vocês eram parceiros até embaixo d’água, e de repente… game over! Passou pela velha “diferença de opiniões”, pelo “desgaste pessoal” ou simplesmente encheu o saco mesmo?!
Se tivesse de escolher entre uma dessas três, eu diria “encheu o saco” (risos), seria a mais certa. Não foi só um fator, foram vários até porque não era fácil ser um Planet Hemp, cara, a prisão foi uma dessas coisas. Ser escorraçado em tudo quanto é lugar, tomar porrada da polícia, correr da polícia em tudo quanto é lugar, a gente vivia sob uma pressão fudida. A gente se sentia como um elástico, de um lado: os nossos fãs querendo que a gente metesse a porrada na polícia; de outro lado: a polícia armada… (risos) E como é que a gente fazia para se entender no meio disso?! Como é que a gente ia fazer?! Foram muitas coisas que acabaram complicando.
Qual foi o fato mais marcante da história do Planet, a prisão, a notoriedade ou o constante conflito com a polícia?
Cara, eu tava noutro dia lembrando isso com o Lobatto (empresário e dono da produtora Na Moral) . Quando a gente terminou de fazer o show de lançamento do “Os Cães Ladram Mas A Caravana Não Pára”, no Palace em São Paulo, num puta de um cenário, um puta showzão que lotou todas as noites, com todo mundo cantando junto todas as músicas… Eu saí de lá, olhei pro Lobatto e falei: “cara, eu me sinto o cara mais completo do mundo”. Eu fiz a minha parada, fiquei feliz pra caramba de ter levado o Planet até ali, pelo Skunk e pela nossa amizade, por tudo que a gente viveu junto, pela história toda… Ali eu senti que foi o nosso auge. Depois dali, a coisa foi meio que caindo, esfriando, eu lancei o meu disco solo, cada um começou a fazer o seu próprio trabalho. Quando nós lançamos “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” a banda já tava cheia de gente, a coisa tava indo meio esquisita; teve uma galera que saiu e voltou, e acabou não indo pra cadeia… A última formação, que era eu, Pedrinho, Formigão, Rafael e Bernardo, só eu e o Formigão que tínhamos ido pra cadeia, que foi um momento forte pra banda. Dos cinco, só dois tinham ido em cana e isso acabou pesando numa hora. Eu não tô falando que isso é certo ou não, mas eu e o Formigão achamos que a gente deveria ter sempre uma espécie de regalia maior do que os outros caras simplesmente porque a gente tinha ido pra cadeia. E também eu e o Formigão sempre estivemos juntos na banda o tempo inteiro, desde o início, a gente nunca saiu e voltou por exemplo. O fim da banda foi demais: o Bernardo falou que estava a fim de sair, e eu achava que o Gustavo (Black Alien) não estaria a fim de voltar a cantar. A gente estava no camarim, pra entrar num show em Natal (RN), e eu falei que se o Bernardo fosse sair, que seria melhor a gente terminar com a banda. Todo mundo concordou, “o último a sair que apague a luz” e tal, aí a gente abriu uma champanhe pra comemorar tudo o que a banda tinha trazido pra gente. Entramos no palco e já saímos avisando: “galera, esse vai ser o último show da gente, aproveitem!” Foi aquela porradaria (risos), foi demais pra todos porque a gente sabia que seria a última vez que íamos sentir aquela vibração. Foi maneiro pra caramba e a gente acabou, igual a uma relação de muito tempo que acaba, um não quer ver nem a cara do outro por um tempo (risos). Na boa, eu adoro todos os caras, amo a todos eles e vão ser sempre meus amigos, mas isso não quer dizer que a gente tenha que ficar andando junto direto. Passou a época.
Vocês foram a primeira banda Brazuca que estava absolutamente antenada com o que rolava no resto do planeta, com a provável exceção do Sepultura na praia deles. Isso foi algo intencional ou simplesmente aconteceu porque tinha de acontecer?
Olha só: a gente tinha o Skunk, que era uma verdadeira enciclopédia musical. Tinha o Rafael e o Formigão que já eram lendários no underground carioca, os caras já tinham feito bandas e já tinham uma cancha sobre o que tava tocando de mais legal e eu fazia as letras com cara de Zona Norte. O nosso sonho no começo era pegar os discos do Sonic Youth e Smashing Pumpkins e samplear com rap, fazendo música em cima na cara de pau mesmo. A gente trabalhou com o Mário Caldato (produtor reconhecido mundialmente, já trabalhou até com os Beastie Boys) com quem, aliás, eu já trabalhei em 9 dos 10 discos que eu já lancei até hoje… Bem, quando ele chegou pra trampar com a gente, ele teve o mérito de ter pego o Planet como uma banda de garagem e transformado numa banda adulta. Ele veio de encontro a uma coisa que eu sempre perguntava: se Jota Quest e Skank tocam no rádio, por que o Planet Hemp não iria tocar?! Aí vinham com aquela desculpa, “mas vocês falam de maconha”… E daí?! Os caras falam de amor e eu falo de maconha, o que é que tem?! (risos) A nossa posição sempre foi essa, de “ir pra cima deles”, vamos ser uma banda de esquerda que toque no rádio.
Seu primeiro trabalho solo trouxe a característica que sempre foi a mais marcante no seu trabalho, o ecletismo musical, ao fundir o hiphop com o samba. Como você teve essa sacação? Isso vem desde a época do Planet ou foi algo que só pintou depois?!
No começo do Planet, a gente sempre quis incluir alguma coisa de música brasileira só que a gente não sabia o caminho ainda. No “Usuário”, a gente tinha uma música chamada “ O Futuro do País”, que começava com um sambinha que descambava pra uma massa sonora eletrônica, tipo Ministry… Essa foi a primeira experiência que a gente fez, já tinha uma ideia mas no “Os Cães Ladram…”, tem uma outra música chamada “O Bicho Tá Pegando” que a gente usa o refrão do Bezerra, e a gente sampleou um riff de percussão de escola de samba junto com um beat de funk junto. Quando eu ouvi a fusão, pensei logo: “caraca, isso é a parada, dá pra fazer um disco só disso!” Bom, daí eu olhei pro Formigão e pensei, “como é que eu vou fazer o Formigão tocar samba?!” (risos) Eu falei isso pros caras, e disse também que isso não seria coisa pro Planet Hemp. Foi aí que eu pensei em fazer uma parada solo minha que misturasse samba com rap, começando pequeno e nem tinha ideia de onde isso iria parar. Hoje em dia tem gente que fala, “hoje em dia você é popular, é pop”… Eu achei a minha parada, o meu caminho, e eu acho a coisa mais importante na música é ser reconhecido por algo que você fez, e não que tenha imitado a alguém. Eu me lembro que estava em LA finalizando o disco, e fiquei impaciente, só pensava no lance, em voltar pro Rio e comprar disco de samba pra caralho pra samplear e misturar.
Como é que as comunidades do samba e do hiphop reagiram com a fusão que você começou a fazer? Acho que no meio do hip hop não deve ter tido muito problema, mas como foi com os puristas do samba, que não gostam nem de pagode?!
Eu também detesto pagode! (risos) A primeira pessoa que eu tive um contato maior no meio do samba foi o Bezerra da Silva, que eu tenho até tatuado aqui (mostra a tattoo do legendário sambista) e ele me deu muitos toques sobre como era no meio do samba. Ele me falava que sambista era assim mesmo, meio fechadão e desconfiado, e que eu chegasse “no sapatinho”, não bagunçasse muito, citasse o samba de maneira respeitosa e tal. Eu sempre respeitei muito o samba, tanto que a reação dos caras foi mais de espanto, tipo “o que esse maluco cabeludão, tatuado, skatista vem agora querer fazer samba?!” (risos) Aí foram todos vendo que eu tratava o samba com respeito, fui pedindo ajuda a um e a outro, e eu pra falar a verdade acho até importante que tenham esses puristas, como eu acho importante ter um cara como eu no meio do samba.
Falando no Bezerra, ele foi o primeiro sambista que eu soube que teve o trabalho bem difundido no meio do rock, o que acabou por transformá-lo num artista cult. Como era conviver com o velho malandro? Porque aquele era malandro, malandro mesmo…
O Bezerra me ensinou coisa pra caramba, fizemos uma turnê juntos e convivemos por dois meses, ele ia tocar nos meus shows e eu ia tocar nos shows dele. Muito pouca gente sabe que ele era um percussionista da orquestra da Globo no início da emissora, gravou uns discos de coco no Recife e depois é que ele veio pro Rio ser percussionista e só depois é que foi gravar samba. O Bezerra sabia tudo de música, sabia onde cabia cada notinha, eu admirava tudo nele, inclusive o jeito dele tomar conta das músicas dele e das coisas dele, era demais isso pra mim, uma escola.
Você nunca pensou em regravar aquela música dele, da “semente no quintal”?! Eu acho que é a sua cara e que iria explodir nas paradas – e teve uma época que um amigo nosso em comum (o Bahia) falou que poderia até rolar…
Logo depois que o Bezerra morreu, começaram a me chamar direto pra fazer parte de tributos a ele. Eu acho esse lance muito pessoal, tem muita coisa envolvida, ele sempre teve muitos fãs, tem a família dele também que é envolvida… Eu resolvi deixar passar um tempo depois que ele morreu. Agora, que eu tô com um estúdio em casa, agora sim eu quero fazer um disco só meu cantando Bezerra da Silva, vai ser a minha homenagem a ele. Não sei se vou lançar por gravadora ou se vou botar na rede pros outros baixarem, só sei que quero misturar samba com rap só pra regravar o Bezerra.
Sei que é muito difícil pra qualquer artista apontar um trabalho favorito, mas eu queria que você apontasse um disco ou música que você fez que tenha um lugar especial nesse coração imenso que você tem.
É difícil pra caramba… Vou tirar esse agora, o “A Arte do Barulho”, porque ele ainda tá muito recente e eu prefiro falar dos outros. Eu acho que o “À Procura Da Batida Perfeita” é inegavelmente o mais expressivo, que foi aonde eu cheguei ao nível popular de tocar o tal do rap com o samba a nível de massa. O “Eu Tiro É Onda” foi uma coisa mais underground, muito mais pros puristas do rap e pra quem gosta de rap. O “À Procura…” é o que eu quis dizer do tal do rap com samba. Tem uma música, “É Assim que se faz” do meu disco “Meu Samba É Assim”, que é a minha música preferida de todas, aquela que eu não toco no show de jeito nenhum (risos)…
É mesmo?! Por que?!
É uma música mais pra ouvir no carro, é difícil de tocar ao vivo.
Se a gente fosse usar o parâmetro do Raul Seixas, você estaria mais pra “metamorfose ambulante” ou pra “ter uma opinião formada sobre tudo”?!
Eu tô mais pra metamorfose ambulante, com certeza.
Continua queimando tudo até a última ponta?! O caminho a seguir é mesmo o da legalização da maconha?
Continuo e todos os dias, e não tem jeito mesmo: tem que legalizar. O melhor caminho que a gente poderia seguir é o da Califórnia, porque o caminho da Holanda, por exemplo, no qual a gente vê coffee shops e tudo, eu acho que ainda tá muito longe. Não dá pra partir de uma proibição pra liberar direto pra vender em qualquer esquina, por isso que eu acho que o caminho da Califórnia é o mais certo a ser seguido por aqui. Eu tive lá há pouco tempo e me senti muito bem, vi que o governo cede pra poucas pessoas num bairro de cultivarem e que o próprio governo cultiva e que cobra imposto por isso. Inclusive, a Califórnia melhorou a sua arrecadação depois que passou a adotar essas medidas de tolerância e parceria. A coisa começa pela tolerância e convivência da polícia com a população, porque a partir do momento que a gente tenha uma polícia pra servir e proteger, e não pra sacanear e meter a porrada, a coisa toda muda de figura.
Você é a favor que se legalize tudo ou só a maconha?!
Em princípio, só a maconha, mas depois poderiam legalizar tudo. Cada um tem o direito de escolher o seu próprio caminho. O que eu vejo aqui no Brasil como grande problema é o álcool, tem gente dirigindo bêbado direto, deputado pegando o carro bêbado e matando moleques, e ninguém é punido… A impunidade é o grande medo das drogas serem legais no país.
Você conseguiu guardar alguma lembrança das Cannabis Cups que você esteve presente?! Sobrou ainda algum neurônio daqueles?!(risos)
Cara, eu só lembro de uma vez que a gente tocou na Cannabis Cup, no qual eu ouvi um hippie velho que botou um daqueles space cakes (bolo de maconha) pra gente e falou pra gente comer só meia fatia pra cada um porque era muito forte. (risos) A gente deu aquele, “que mané meia fatia, compadre” (risos), mandamos pra dentro… e o roadie quase ficou verde, teve gente que ficou dando cambalhota no hotel… Foi foda!
Nos últimos tempos, lançou a Manifesto 33 1/3 num estilo que segue mais a linha de hip hop wear. E, além disso, sempre teve estilo próprio de se vestir dentro de uma linha mais alternativa. Você gosta de mexer com moda ou não está muito aí pra isso?
Eu sempre me preocupei com isso. Agora isso é engraçado, o que me atraiu em primeiro lugar no skate foi o visual da época, os tênis de cano alto, as bermudonas, o punk rock. No próprio punk rock, eu me liguei primeiro no visual e depois no som em si. Eu acho que o jeito que a gente se veste mostra pro mundo quem a gente é… quer dizer, comigo não hoje porque eu vim direto da aula vestido de tenista (risos). Mas eu acho importante pra caramba. Eu tava falando noutro dia isso com o Stephan, que vai pra escola de chinelo e bermuda, falei pra ele botar uma roupa mais maneira, um tênis, uma calça e tal… Acho importante se vestir de estilo próprio, mas se ele gostar de ser largado e desleixado como o meu filho, tá limpo também (risos).
Eu me engano muito ou você já viajou pros cinco continentes?!
Já fui à África, várias vezes à Europa, EUA, Japão… Agora que eu tô morando numa casa, tenho a ideia de fazer um mapa-mundi e botar uma bolinha em cada lugar do mundo que eu fui, porque depois do “À Procura Da Batida Perfeita”, a gente levou a nossa música pra tudo quanto foi lugar. Isso é muito bom e tenho muito orgulho, e acho que se não fosse por isso, eu não teria a oportunidade de conhecer o mundo inteiro. Só tenho a agradecer à música por isso, e a minha busca e a minha inquietude são por conta disso, eu sinto que devo isso à música, não posso decepcionar a música quanto a isso. Quero deixar alguma coisa de boa pra que outros músicos possam no futuro ouvir algo meu e também dizer “ouve só isso”, acho importante dar isso de volta pra música, que me deu tanta coisa boa.
Você curte alguma cidade em especial fora daqui?!
A Europa toda é demais, cara, mas hoje eu tô muito amarradão em Barcelona. Em alguns lugares do mundo que eu toco, são muito legais em tudo: Portugal é abarrotado igual ao Brasil, mas da última vez que eu estive em Barcelona, foram 2.500 pessoas, o show tava sold out, e todo mundo cantando junto. Dessa vez, aliás, vários skatistas brasileiros estavam por lá e pintaram no show, o Gerdau e o Cerezini pintaram no show. Barcelona é especial, sob todos os sentidos.
Cara, você já dividiu palco e estúdio com tanta gente boa que daria pra formar um “catálogo de influências de gente boa da melhor qualidade” (risos)… Qual foi o artista que você mais ficou amarradão em ter trabalhado junto, em ter ficado de queixo caído quando ficou na frente dele?
Afrika Bambaataa e Bezerra da Silva. No dia seguinte que eu acordei após ter tocado com o Bezerra da Silva, eu chorei depois que acordei. Liguei pro meu pai (que era vivo na época), e contei amarradão pra ele. O Bambaata foi como se eu tivesse com o Papa, eu pego na mão dele e beijo, peço a benção. O “À Procura da Batida Perfeita” é o meu “looking for the perfect beat”, então não preciso nem falar mais nada. Acho que foram os dois caras que mais me mexeram mesmo.
Bem, nós falamos do Bezerra, falamos do Skunk e eu queria que você falasse um pouco de um cara que também “cantou pra subir” cedo demais na minha opinião: o DJ Primo. Foi cedo, não foi?!
Muito cedo, cara, cedo demais. Eu já toquei com muita gente boa e muitos músicos bons, muitos guitarristas, baixistas e bateristas bons. Já cruzei com muitos músicos reconhecidos, como o Bezerra e o Bambaata que a gente falou aqui. O Primo foi um dos melhores de todos, acho que foi o melhor DJ com quem eu já toquei, foi muito bom termos feito tanta coisa juntos na época do “À Procura da Batida Perfeita”. O cara me ajudou a abrir o mundo, é uma saudade ferrada pelo que nós passamos juntos, ele que também tinha uma ligação muito forte com o skate.
Em relação aos anos passados, eu tenho a impressão que o povo de nosso país deixou de ser gentil e está se transformando pra pior. Ninguém mais cede lugar pra velhinhas ou mulheres grávidas num metrô, por exemplo, ninguém mais ajuda a uma pessoa de idade a atravessar uma rua, e há um clima de muita falta de educação e respeito generalizados. O Brasil virou boçal?!
Eu hoje estava debatendo com os meus filhos falando exatamente sobre isso, e o papo começou em cima de uma tatuagem que eu quero fazer homenageando o Profeta Gentileza (antigo nômade carioca, que escreveu as suas “escrituras” em pilastras de elevados) e vou mandar o “gentileza gera gentileza” dele. Acho que isso tá geral, não é só no Brasil, mas aqui tá mais visível porque o nosso país sempre foi conhecido como um lugar de um povo gentil. Eu acho que tem a ver com as cidades grandes serem muito violentas, e também o tal do “venha a mim”, “farinha pouca meu pirão primeiro”… Com o tempo, isso vai acabar virando realidade, as pessoas vão acreditando nisso. Tem saída pra isso, que é a educação, mas aqui se investe muito pouco em educação e cultura. Eu tenho gostado muito de um lado que o skate tem se virado, pra esse lado mais artístico, de voltar a andar mais na rua, de não valorizar mais tanto os campeonatos, as empresas estão vendo isso também e tal. Eu falo isso porque quando você escolhe um estilo de vida, aquilo ali afeta o mundo inteiro, principalmente em movimentos grandes como o skate. Acho que essa coisa de todo mundo querer só ter o tênis “tal”, a roupa “tal”, acho que acabam se esquecendo dos valores básicos. Isso é muito triste, e o papo que eu tive com os meus filhos foi muito profundo, foi o papo do almoço e eu espero que eles tenham entendido isso. Tomara que eles não se deixem levar pelo que os outros fazem e que possam ser gentis, e tratar a todo mundo como eles gostariam de ser tratados.
No Brasil, a gente tem o costume de dizer que “tá ruim mas é bom”. O que mais te incomoda em nosso país? Se você tivesse plenos poderes pra mudar o que quer que fosse, qual seria a sua prioridade? E o que você deixaria como está?
Em primeiro lugar, eu mudaria o sistema judiciário pra que aqui tivesse tolerância zero pro que tiver errado. Eu fumo maconha todos os dias, mas se por acaso rolar uma tolerância zero pra isso, eu pararia de fumar em prol disso. Acho que tem muita coisa errada, um cara rouba 300 milhões e não vai preso, enquanto que um outro rouba uma galinha e vai em cana… Isso tinha de acabar, essa tolerância toda, isso é que incomoda o senso comum, essa coisa do “ah, se ele faz e não acontece nada, eu também quero fazer”. Isso é o que mais me incomoda. O que tá bom no Brasil é essa nossa “ingenuidade” entre aspas, de acharmos que nós somos o melhor país do mundo e que nós seremos o melhor país um dia. Essa coisa é legal! (risos) Nosso senso de patriotismo é diferente do francês, do canadense e do americano, mas a gente ama o estado geral das coisas muito mais do que a nossa bandeira, por exemplo, e isso é o que eu mais adoro por aqui. Isso me bate quando vou pra fora daqui, de dizer “a gente é brasileiro!” com aquele orgulho que só a gente tem. Não é tipo, “Deus salve a América” (risos), aqui é tipo “é nós”! (risos)
Cara, se tem uma coisa que eu admiro em você, é que você sempre teve a maior fé no que você fazia, sempre levou a maior fé no seu taco, por assim dizer. A fé é algo que te move, Marcelo?!
Não é aquela fé de religião, e sim de acreditar nas coisas. Quando eu comecei a andar de skate, eu comecei com aquela coisa de faltar aula, me dar mal na escola e tal, aquelas coisas de adolescente. O meu pai sentou comigo um dia e falou assim: “você quer isso pra sua vida? Quer ser skatista profissional? Então vai lá e faz isso direito, vai com vontade, não é pra ficar zoando o barraco. Se você tem de estudar, estuda numa hora, vai andar de skate outra hora e vai fazer o que você quer direito.” Não era pra que eu fosse o melhor e tal, mas sim que fizesse direito e virasse um profissional. Aliás, essa é uma frustração minha, de não ter sido um skatista profissional. (risos) Esse papo com meu pai tem uns 25 anos, e eu tirei dali que quando eu acreditasse numa coisa, eu iria me dedicar a fundo a ela que iria dar certo. E tem dado certo, cara.
Você é malandro porque é safo, porque é guerreiro ou por causa dos dois?
Eu não sou malandro – até porque malandro que é malandro, não fala que é malandro… (risos)
Qual o seu maior arrependimento na vida? E o seu maior orgulho?
Tirando o óbvio, que é a minha família linda com meus quatro filhos e minha mulher que eu amo, o maior orgulho que eu tenho na vida foi o Planet Hemp. Fazer uma parada dessa numa época que a gente mal tinha saído de uma ditadura, que não tinha internet, que ninguém denunciava por estar sendo perseguido… o Planet Hemp foi o maior orgulho da minha vida. De arrependimento eu não tenho nada, quer dizer, tem o lance das brigas. Eu gostaria de ter brigado menos e de ter resolvido as coisas com mais inteligência.
O Stephan anda seguindo alguns de seus passos musicais,. O que você acha disso?
Eu fico feliz por ele estar fazendo música porque é cultura de alguma maneira. Isso ele conhece bem, tem uma boa cultura, saca de música, cinema e tem uma boa cultura geral. Eu não sou do tipo de pai que fica, “e aí, fez alguma música?!”, eu vou é dando alguma condição pra ele se desenvolver: acabei de dar um estudiozinho portátil pra ele, no Natal do ano passado dei pra ele um sampler… Eu tô dando os instrumentos pra que ele seguir o caminho dele. Acho que, mais do que ser músico, ele já vai estar aí na música, até porque pra ser músico profissional não basta só ter talento, tem que trabalhar muito, estar no lugar certo e fazer a coisa certa na hora certa. Por exemplo, se eu resolvo fazer o Planet Hemp agora?! Já foi né, foi no seu tempo.
Você então concorda com aquela máxima que diz que o sucesso do artista é 10 % de inspiração e 90% de transpiração?!
Eu concordo. O Saramago (escritor português, detentor do Nobel de Literatura) diz que ele não trabalha com inspiração, mas sim que ele senta e começa a pensar e trabalhar naquilo que está no subconsciente, que a inspiração dele pra escrever só aparece quando ele se coloca pra trabalhar. Eu acredito que o sucesso é 90% de trabalho mesmo.
Alguém mais da prole mexe com música de alguma maneira?
Bom, tá tudo muito pequeno ainda, porque depois do Stephaan vem uma de 8 anos, e essa já ta tocando violão, os mais novos entram em aula de piano e tal… Não é nada imposto, e eu gostaria de ter feito isso quando eu era moleque, de ter alguma aula de piano ou violão, mas a gente não tinha condições.
E eles ficam amarradões?!
Cara, nessa fase deles, eles ficam amarradões em qualquer coisa por 3 meses (risos), depois é que eles começam a encher o saco. Você bota na natação – eles fazem 3 meses; depois bota no boxe – eles se amarram por 3 meses… Sabe como é filho, né?!
Como rolou a briga com o Caetano Veloso?
A parada foi assim: eu dei mole pra um jornalista da Folha e falei que eu não gostava do Caetano, e o cara botou gigante no jornal. Então você abria o jornal pra ler a resenha do disco novo do Planet Hemp, e tava lá escrito desse tamanho assim, ó: “eu não gosto de Caetano”. Era gigante, sabe?! Não é que eu não goste ou desgoste da pessoa do Caetano, não gosto é do trabalho dele. O que me incomodou a minha geração foi o que eu tinha visto nos anos 80: sempre que aparecia alguma banda nova, vinha um desses “merdalhões”, abraçava os caras e diziam que “eu sou o padrinho deles”. A gente já foi logo falando, “tira a mão do meu ombro, não tenho padrinho nenhum e cheguei aqui sozinho com as minhas próprias pernas”! O Planet Hemp não era mole, era difícil de chegar perto (risos), e aí virou uma bola de neve depois da minha declaração no jornal. Ele veio falar comigo e a mulher dele me xingou, eu também xinguei, quase que todo mundo saiu na porrada com os seguranças dele… Ficou uma coisa chata pra caramba, mas eu não tô nem aí, eu continuo não gostando do Caetano e do que ele toca, e ainda bem que ele nem passou pela minha frente (risos).
Cara, já não passou da hora desses caras largarem o osso?! Com todo o respeito à história passada deles, mas a impressão que eu tenho é que eles vêm regravando os mesmos discos há mais de 30 anos!
Eu acho que a gente deve respeito a todo mundo que é mais velho, e tem também toda aquela história da gentileza que a gente falou há pouco, mas realmente eu acho muito chato ter que dar opinião sobre tudo. Eu não tenho que ficar falando o que eu acho da banda “tal”, até porque quando eu comecei com o Planet Hemp, eu achava todo mundo uma bosta (risos). Eu poderia usar a frase do Ratos de Porão: “odeio tudo e odeio todos”. Mas tá na hora mesmo, mas na boa?! Que se fodam todos eles. (risos)
Tem alguém na MPB atual que você admire?
Eu não gosto de MPB, mas tem um cara que eu gosto muito dele que é o Lenine. Pernambucano, malucão, tem umas letras ótimas. Tem uma música que ele tem que fala pra uma mulher, aí ele cita a mulher do Mano Brown, a mulher do D2, falando uma frase de cada um falando de mulher… Eu ouvi esses dias e achei genial.
Marcelo, você é um cara super-premiado no mundo todo pela sua música. Vou fazer outra pergunta escrota: qual desses prêmios que você recebeu que é guardado com mais carinho?!
Na época eu desprezei pra caramba, mas ter ganho como o melhor letrista em 2004 pela Academia Brasileira de Letras foi muito interessante, porque eu nunca estudei direito, terminei o 1º grau aos trancos e barrancos. E eu fui receber um prêmio justo pela Academia! Na época, eu nem levei a sério, fiquei naquela de “porra, o que aqueles velhinhos babacas sabem?!” (risos), mas aí o tempo passa, eu fui olhar melhor pra ele, e te digo que é uma honra ter recebido um prêmio assim.
E a “busca da batida perfeita”, essa jamais se encerra, né não?!
Não vai parar nunca. Eu tento não virar clichê de mim mesmo, de ter de ficar “o cara do rap com samba” ou “o cara da maconha”. Vamos ver.
Fala um pouco desse seu mais recente trabalho.
O Mário é um cara que sempre me instiga muito a eu fazer algo de diferente. Nesse disco aí, eu cheguei pra ele e falei, “depois de tanto tempo do Planet Hemp, eu queria fazer um disco mais barulhento” e falei pra ele o nome que eu achava legal, que virou o título do disco. Eu sempre falei muito nos shows, “vamos fazer barulho” e tal, virou um jargão meu. Eu escrevi um manifesto convocando as pessoas a fazerem a sua própria história, a se levantarem do sofá e pararem de viver a vida dos outros e de dizer que “o mundo não dá oportunidades”. Não dá pra ninguém, você é que tem que parar de ficar esperando as coisas acontecerem e correr atrás, então levanta e vai fazer barulho. Aí eu chamei esse manifesto de “A Arte do Barulho” e resolvi fazer o disco em volta disso. O Mário só falou, “vai na tua”, e me deu a pilha de fazer as paradas em casa, de eu ir compondo o que eu queria e ele ia lá e mexia no que achava… Ele não é mais só o produtor dos meus discos, é padrinho da minha filha e eu sou padrinho da filha dele, ele é casado com uma amigona minha, a gente já virou família. São 9 discos juntos, 12 anos de trabalho, e o engraçado é que ele virou o cara que eu tenho inteira confiança no estúdio, se ele falar “vai por mim que tá na boa”, eu acato na hora. Eu sou muito perfeccionista em estúdio, e ele é um cara muito simples que gosta das coisas simples. Na música-título, eu falei pra ele que queria fazer um refrão do tipo “vamos fazer barulho / a arte do barulho”, e ele falou: “tá pronto então”. (risos)